Roberto Romano
Laryssa Borges, de Brasília
Roberto Romano, filósofo e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Márcio Fernandes)
Com perfil centralizador e sem carisma para conduzir o governo em meio a turbulências econômicas, a presidente Dilma Rousseff tem moldado seu governo com base em técnicas de propaganda. A avaliação é do professor de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Roberto Romano. Para o estudioso, a prova mais recente da excessiva dependência do marketing político foi a tentativa da chefe do Executivo de se comportar como uma mera espectadora diante das manifestações populares que tomaram conta do país. “Merece muita reflexão o fato de se ter uma presidente da República que se desloca, vai conversar com o ex-presidente da República e com o marqueteiro João Santana. Dos ministros da presidente Dilma Rousseff, o João Santana é o mais importante. A coreografia dos atos é decidida por ele: como ela aparece na televisão, o que ela vai dizer, a desculpa que ela vai dar”, disse o professor em entrevista ao site de VEJA. Mesmo com o marketing, avalia ele, “a sociedade que estava hipnotizada, anestesiada e dormente agora está despertando”.
Essas manifestações são resultado de uma desconfiança cada vez maior da sociedade sobre instituições representativas e de governo? O nosso estado nasceu contra a democracia moderna tendo em vista esse privilégio do Executivo. Vivemos com esse privilégio do chefe de estado, do Executivo desde 1824. Tudo funciona tendo em vista essa hegemonia, essa ditadura quase perene do Executivo sobre Legislativo e sobre Judiciário. O Legislativo então se transforma em um lugar de negócios, é o negócio do lobby, de chantagear o Poder Executivo para conseguir verbas. É tudo isso que conhecemos como corrupção. Há uma desconfiança do estado brasileiro em relação à sociedade civil. A sociedade civil é vista como uma entidade a ser tutelada, controlada, censurada, definida pelo poder de estado.
Políticos apontaram que a escalada da inflação é um dos principais motivos dos protestos. O senhor concorda? O governo civil não resolveu o problema da inflação. A inflação é a perda da credibilidade absoluta do governo. O dinheiro diz que vale dois reais, mas na verdade vale dois centavos.Quando veio o Plano Real, que atenuou imensamente a inflação, houve uma espécie de hipnose da sociedade e acabou por reforçar essa situação de passividade. Com a presidente Dilma, passou-se a querer incentivar a indústria e toda uma série de investimentos que não tiveram ainda respostas do setor empresarial. Somado a isso, se tem o gatilho, que é o novo modo de comunicação via internet. O gatilho não funcionava até agora porque a situação da economia ainda estava sob a pressão do Plano Real. Isso agora está se descolando porque a inflação está voltando, os serviços se manifestam sempre muito ruins, com péssimos serviços de saúde e educação. As pessoas, com a internet, se deram conta também do absurdo dessa Copa e desses megaeventos que vão levar bilhões de reais, quando não se tem os mesmos bilhões para aplicar no setor industrial, por exemplo.
Esses motivos levantados pelos manifestantes, como gastos com a Copa, economia travada, retorno da inflação, não começaram de duas semanas para cá. Por que antes não houve toda essa mobilização? Não houve porque a sociedade ainda estava hipnotizada pela estabilidade econômica. Agora começou a cair a ficha. Antes da explosão das manifestações, houve movimentos como o do Ficha Limpa, houve um apoio sistemático da sociedade à lei de improbidade administrativa, houve a repulso ao episódio do mensalão. Mas como o Legislativo e o Executivo estão respondendo? Eles querem acabar com leis de vanguarda. Existem projetos já na Câmara dos Deputados. Agora as pessoas estão percebendo que além de não resolver os problemas, o estado está não querendo resolver os problemas. Ele está querendo manter a situação de corrupção e de ineficácia.
Durante o governo Lula, entidades sindicais ou estudantis, como a UNE, foram pouco atuantes. O governo do PT tinha o monopólio delas? O PT ainda tem uma ascendência muito forte sobre os movimentos sociais. A UNE atua mais como um partido político, como um braço do governo. No período do Collor, o presidente era fraco e sem apoio do Congresso. E havia um partido, o PT, com planos de chegar o poder. Ele mobilizou o quanto pôde todos os recursos, jornalistas, procuradores da República e a UNE, que virou apenas um braço oficial do governo e perdeu totalmente a característica que teve no regime 64. A UNE é hoje um braço do PCdoB e um braço do governo e com frutos nada maravilhosos, como o ministro do Esporte, que saiu depois de um escândalo de falta de ética.
Depois de mais manifestação, entidades, como a própria UNE, tentaram capitalizar e se intitular como uma das lideranças dos protestos. A presidente Dilma também tentou capitalizar, colocando o governo federal como um espectador dos movimentos? A presidente Dilma tentou capitalizar. Ela não se colocou como parte do problema. Merece muita reflexão o fato de se ter uma presidente da República que se desloca, vai conversar com o ex-presidente da República e com o publicitário João Santana. Desde o governo Lula, o marketing e a propaganda viraram política de estado. Nada se faz sem o conselho dos marqueteiros. Dos ministros da presidente Dilma Rousseff, o João Santana é o mais importante. A coreografia dos atos é decidida por ele: como ela aparece na televisão, o que ela vai dizer, a desculpa que ela vai dar. A sociedade estava hipnotizada, anestesiada, dormente e agora está despertando, ainda que de uma maneira anárquica, não coordenada, levando para o bojo das manifestações todo tipo de comportamento.
As manifestações populares seriam então uma resposta a posturas governamentais baseadas exclusivamente na propaganda? As manifestações são resultado de uma crise. O governo age imperialmente, com a lógica do estado, e não com a lógica da vida social. No Brasil, a figura do presidente é um gigante com pé de barro. Ele tem todas as atribuições, todas as canetas na mão, mas precisa – senão acabaria o regime democrático – da aprovação do parlamento. E o parlamento vende caro essa aprovação.
Como o senhor analisa essa estratégia dos governos, em especial do governo federal, de tentar se deslocar dos protestos, como se os alvos das reclamações não fossem políticas que eles mesmos elaboraram? Existe uma pré-história da propaganda de estado e de governo para engambelar o cidadão. Desde a eleição do Lula, o governo virou um governo de propaganda. Mais do que todos os anteriores. A propaganda não é uma coisa inocente, é uma forma de controle e de intimidação. É uma forma de intimidar o que há de mais profundo na mente da pessoa. A propaganda mobiliza a esperança, a imaginação, os desejos e os receios das pessoas.
E qual a relação entre o governo Dilma e essa propaganda toda? A propaganda depende de uma personalidade carismática, que não é o caso da presidente Dilma. Ela é dura, não tem a flexibilidade, a esperteza e a capacidade de comunicação que o Lula tem. Por isso o governo é ainda mais midiático. Como ela não tem carisma, precisa manipular ainda mais os desejos da sociedade. O que é Olimpíada e Copa do Mundo se não propaganda? Costumamos ver o aspecto esportivo, mas há uma garantia imensa de votos para as eleições de 2014. O governo, em um país que não tem fossa séptica, gasta bilhões para construir estádios, que vão se transformar em elefantes brancos. Essa história de legado é controversa. Gastar trilhões com Copa e Olimpíada é realmente um trabalho insano de delírio, de quem não tem prioridade.
A inércia das instituições dá mais força a esses movimentos populares? O estado tem três monopólios essenciais: o monopólio da força física, o monopólio da norma jurídica e o monopólio da taxação do excedente econômico através dos impostos. No Brasil, esses três monopólios derretem como gelo. No caso da Ficha Limpa, por exemplo, os legisladores estão intencionalmente corroendo a lei. No Brasil temos o conceito de anomia, o que significa que a lei não vigora. O Brasil hoje quase que regride ao estado de natureza: não confiamos mais na polícia, no Judiciário, no prefeito, no vereador, no promotor porque eles estão defendendo interesses particulares.
Qual o papel da polícia nessas manifestações? Hoje não se tem uma polícia com eficácia. Em grandes manifestações, quem vai é a Polícia Militar. A PM é preparada para matar. O militar não foi feito para disciplinar, para controlar, para reprimir. O Exército é feito para matar o inimigo, mas em uma sociedade democrática não existe inimigo interno. Hoje, com essas manifestações, a sociedade é tratada como o inimigo a ser combatido. Precisamos de uma polícia treinada para disciplinar e controlar multidões. Como tudo que é excessivo no Brasil, tem-se o excessivo uso da força e a ineficácia desse excesso. Quando se tem o excesso da força não se tem autoridade. A polícia precisa ter autoridade, mas na verdade ela é temida. No estado brasileiro temos o poder que dá medo, que produz medo, mas que não inspira respeito e confiança.
Laryssa Borges, de Brasília
Roberto Romano, filósofo e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Márcio Fernandes)
Com perfil centralizador e sem carisma para conduzir o governo em meio a turbulências econômicas, a presidente Dilma Rousseff tem moldado seu governo com base em técnicas de propaganda. A avaliação é do professor de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Roberto Romano. Para o estudioso, a prova mais recente da excessiva dependência do marketing político foi a tentativa da chefe do Executivo de se comportar como uma mera espectadora diante das manifestações populares que tomaram conta do país. “Merece muita reflexão o fato de se ter uma presidente da República que se desloca, vai conversar com o ex-presidente da República e com o marqueteiro João Santana. Dos ministros da presidente Dilma Rousseff, o João Santana é o mais importante. A coreografia dos atos é decidida por ele: como ela aparece na televisão, o que ela vai dizer, a desculpa que ela vai dar”, disse o professor em entrevista ao site de VEJA. Mesmo com o marketing, avalia ele, “a sociedade que estava hipnotizada, anestesiada e dormente agora está despertando”.
Essas manifestações são resultado de uma desconfiança cada vez maior da sociedade sobre instituições representativas e de governo? O nosso estado nasceu contra a democracia moderna tendo em vista esse privilégio do Executivo. Vivemos com esse privilégio do chefe de estado, do Executivo desde 1824. Tudo funciona tendo em vista essa hegemonia, essa ditadura quase perene do Executivo sobre Legislativo e sobre Judiciário. O Legislativo então se transforma em um lugar de negócios, é o negócio do lobby, de chantagear o Poder Executivo para conseguir verbas. É tudo isso que conhecemos como corrupção. Há uma desconfiança do estado brasileiro em relação à sociedade civil. A sociedade civil é vista como uma entidade a ser tutelada, controlada, censurada, definida pelo poder de estado.
Políticos apontaram que a escalada da inflação é um dos principais motivos dos protestos. O senhor concorda? O governo civil não resolveu o problema da inflação. A inflação é a perda da credibilidade absoluta do governo. O dinheiro diz que vale dois reais, mas na verdade vale dois centavos.Quando veio o Plano Real, que atenuou imensamente a inflação, houve uma espécie de hipnose da sociedade e acabou por reforçar essa situação de passividade. Com a presidente Dilma, passou-se a querer incentivar a indústria e toda uma série de investimentos que não tiveram ainda respostas do setor empresarial. Somado a isso, se tem o gatilho, que é o novo modo de comunicação via internet. O gatilho não funcionava até agora porque a situação da economia ainda estava sob a pressão do Plano Real. Isso agora está se descolando porque a inflação está voltando, os serviços se manifestam sempre muito ruins, com péssimos serviços de saúde e educação. As pessoas, com a internet, se deram conta também do absurdo dessa Copa e desses megaeventos que vão levar bilhões de reais, quando não se tem os mesmos bilhões para aplicar no setor industrial, por exemplo.
Esses motivos levantados pelos manifestantes, como gastos com a Copa, economia travada, retorno da inflação, não começaram de duas semanas para cá. Por que antes não houve toda essa mobilização? Não houve porque a sociedade ainda estava hipnotizada pela estabilidade econômica. Agora começou a cair a ficha. Antes da explosão das manifestações, houve movimentos como o do Ficha Limpa, houve um apoio sistemático da sociedade à lei de improbidade administrativa, houve a repulso ao episódio do mensalão. Mas como o Legislativo e o Executivo estão respondendo? Eles querem acabar com leis de vanguarda. Existem projetos já na Câmara dos Deputados. Agora as pessoas estão percebendo que além de não resolver os problemas, o estado está não querendo resolver os problemas. Ele está querendo manter a situação de corrupção e de ineficácia.
Durante o governo Lula, entidades sindicais ou estudantis, como a UNE, foram pouco atuantes. O governo do PT tinha o monopólio delas? O PT ainda tem uma ascendência muito forte sobre os movimentos sociais. A UNE atua mais como um partido político, como um braço do governo. No período do Collor, o presidente era fraco e sem apoio do Congresso. E havia um partido, o PT, com planos de chegar o poder. Ele mobilizou o quanto pôde todos os recursos, jornalistas, procuradores da República e a UNE, que virou apenas um braço oficial do governo e perdeu totalmente a característica que teve no regime 64. A UNE é hoje um braço do PCdoB e um braço do governo e com frutos nada maravilhosos, como o ministro do Esporte, que saiu depois de um escândalo de falta de ética.
Depois de mais manifestação, entidades, como a própria UNE, tentaram capitalizar e se intitular como uma das lideranças dos protestos. A presidente Dilma também tentou capitalizar, colocando o governo federal como um espectador dos movimentos? A presidente Dilma tentou capitalizar. Ela não se colocou como parte do problema. Merece muita reflexão o fato de se ter uma presidente da República que se desloca, vai conversar com o ex-presidente da República e com o publicitário João Santana. Desde o governo Lula, o marketing e a propaganda viraram política de estado. Nada se faz sem o conselho dos marqueteiros. Dos ministros da presidente Dilma Rousseff, o João Santana é o mais importante. A coreografia dos atos é decidida por ele: como ela aparece na televisão, o que ela vai dizer, a desculpa que ela vai dar. A sociedade estava hipnotizada, anestesiada, dormente e agora está despertando, ainda que de uma maneira anárquica, não coordenada, levando para o bojo das manifestações todo tipo de comportamento.
As manifestações populares seriam então uma resposta a posturas governamentais baseadas exclusivamente na propaganda? As manifestações são resultado de uma crise. O governo age imperialmente, com a lógica do estado, e não com a lógica da vida social. No Brasil, a figura do presidente é um gigante com pé de barro. Ele tem todas as atribuições, todas as canetas na mão, mas precisa – senão acabaria o regime democrático – da aprovação do parlamento. E o parlamento vende caro essa aprovação.
Como o senhor analisa essa estratégia dos governos, em especial do governo federal, de tentar se deslocar dos protestos, como se os alvos das reclamações não fossem políticas que eles mesmos elaboraram? Existe uma pré-história da propaganda de estado e de governo para engambelar o cidadão. Desde a eleição do Lula, o governo virou um governo de propaganda. Mais do que todos os anteriores. A propaganda não é uma coisa inocente, é uma forma de controle e de intimidação. É uma forma de intimidar o que há de mais profundo na mente da pessoa. A propaganda mobiliza a esperança, a imaginação, os desejos e os receios das pessoas.
E qual a relação entre o governo Dilma e essa propaganda toda? A propaganda depende de uma personalidade carismática, que não é o caso da presidente Dilma. Ela é dura, não tem a flexibilidade, a esperteza e a capacidade de comunicação que o Lula tem. Por isso o governo é ainda mais midiático. Como ela não tem carisma, precisa manipular ainda mais os desejos da sociedade. O que é Olimpíada e Copa do Mundo se não propaganda? Costumamos ver o aspecto esportivo, mas há uma garantia imensa de votos para as eleições de 2014. O governo, em um país que não tem fossa séptica, gasta bilhões para construir estádios, que vão se transformar em elefantes brancos. Essa história de legado é controversa. Gastar trilhões com Copa e Olimpíada é realmente um trabalho insano de delírio, de quem não tem prioridade.
A inércia das instituições dá mais força a esses movimentos populares? O estado tem três monopólios essenciais: o monopólio da força física, o monopólio da norma jurídica e o monopólio da taxação do excedente econômico através dos impostos. No Brasil, esses três monopólios derretem como gelo. No caso da Ficha Limpa, por exemplo, os legisladores estão intencionalmente corroendo a lei. No Brasil temos o conceito de anomia, o que significa que a lei não vigora. O Brasil hoje quase que regride ao estado de natureza: não confiamos mais na polícia, no Judiciário, no prefeito, no vereador, no promotor porque eles estão defendendo interesses particulares.
Qual o papel da polícia nessas manifestações? Hoje não se tem uma polícia com eficácia. Em grandes manifestações, quem vai é a Polícia Militar. A PM é preparada para matar. O militar não foi feito para disciplinar, para controlar, para reprimir. O Exército é feito para matar o inimigo, mas em uma sociedade democrática não existe inimigo interno. Hoje, com essas manifestações, a sociedade é tratada como o inimigo a ser combatido. Precisamos de uma polícia treinada para disciplinar e controlar multidões. Como tudo que é excessivo no Brasil, tem-se o excessivo uso da força e a ineficácia desse excesso. Quando se tem o excesso da força não se tem autoridade. A polícia precisa ter autoridade, mas na verdade ela é temida. No estado brasileiro temos o poder que dá medo, que produz medo, mas que não inspira respeito e confiança.