Mesmo citado na Lava Jato, o presidente Michel Temer (PMDB) não sofrerá um processo de «Dilmização» e dificilmente perderá apoio de sua base no Congresso.
Para Marcus Melo, cientista político da Universidade Federal de Pernambuco e autor de obras sobre presidencialismo de coalização, há dois cenários mais prováveis.
No primeiro, um impopular e enrolado Temer é afastado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2017 e o próprio PMDB, ou um partido de sua base, toma o poder indiretamente.
No segundo, Temer prossegue alvejado pela Lava Jato, que demandará tempo para produzir provas. E também mantém sua base de apoio.
Leia a seguir trechos de entrevista de Melo à Folha:
Folha – O fim de 2016 chega muito ruim para Temer. As expectativas econômicas se frustraram, a delação da Odebrecht pega em cheio o governo e o Datafolha mostra salto de 20 pontos na sua taxa de reprovação (de 31% para 51%). Para onde vamos?
Marcus Melo – A primeira coisa que vem à mente é uma ideia de «Dilmização» de Temer. É uma ideia equivocada. A tempestade perfeita que levou à queda de Dilma estava ancorada em uma crise econômica que não se via havia um século, um escândalo maciço de corrupção, mobilização das ruas e fratura na base de apoio no Congresso.
Esse último componente agora está ausente. Não há sinais de que ele vá entrar em parafuso. Isso dá uma distinção muito clara. Dilma sempre se colocava como uma alternativa a alguma coisa, a um governo do PMDB. Agora não há isso. A estratégia dominante é apoiar o governo.
A eleição direta, que tem o apoio da maioria, segundo o Datafolha, não é alternativa?
Antes de mais nada, creio que um cenário de hecatombe não se aplica ao Brasil. Mesmo sob Dilma, não houve grave crise institucional. Dilma entregou os anéis e os dedos, e não houve ruptura.
O que há são alguns cenários, que eu chamaria de «trilema brasileiro», ou tríade quase impossível. Eu roubo a ideia da teoria macroeconômica, do trilema de Mundell-Fleming [em que Robert Mundell e Marcus Fleming argumentam que é impossível, simultaneamente, manter a taxa de câmbio fixa, o livre fluxo de capitais e uma política monetária ativa].
Ele nos oferece três cursos de ação, tendo apenas pares como alternativas viáveis, mas não os três simultaneamente. No Brasil, temos: as reformas, a permanência de Temer e a Lava Jato. As três coisas simultaneamente não são exatamente viáveis.
A primeira opção é ter reformas e a Lava Jato, mas sem Temer. O que só será possível pela via do Tribunal Superior Eleitoral. Se o TSE cassar a chapa Dilma-Temer, teríamos a possibilidade de ver a substituição do presidente. Mas isso se daria em um quadro em que o conjunto atual de forças, seja do PMDB ou do «centrão», que têm maioria avassaladora caso haja uma eleição indireta, se mantenha no poder.
Já a ideia da aprovação de uma PEC (para eleição direta em 2017) ignora o básico: que são necessários 3/5 em duas votações na Câmara e duas outras no Senado estipulando uma reforma constitucional, além de a solução ter que contar com a anuência do STF. Não existe maioria para aprovar eleições diretas.
Assim como inexiste a segunda opção, que seria o impeachment de Temer. Pois não há maioria de 2/3 na Câmara e no Senado para garantir a admissibilidade e depois o próprio afastamento.
Já a saída de Temer via TSE independe de uma maioria parlamentar. Ninguém sabe qual seria a previsibilidade disso tendo o ministro Gilmar Mendes na presidência do TSE. Mas é o que pode se desenhar caso as evidências que estão aparecendo, e que ainda vão aparecer, sejam muito mais robustas na sequência de delações.
Nesse cenário, teríamos as reformas e a Lava Jato, mas sem a figura de Temer.
Depois das delações, a Lava Jato terá de produzir provas, separar doações legais e ilegais. Não é um processo longo, que pode levar à permanência de Temer por um bom tempo sem grandes problemas?
Aí teríamos algo muito curioso. As reformas serão aprovadas, Temer ficará na Presidência e haverá uma certa contenção da Lava Jato em função do foro privilegiado dos políticos, de armação dos parlamentares.
Isso traria a inusitada figura do reformista acidental. Temer entraria para a história como alguém que aprovou a PEC dos gastos e, provavelmente, a da Previdência. Logo ele e o PMDB, não reformistas por excelência.
Mas Temer tem o problema da popularidade em queda. Faltam ainda 76 delatores. Muitos no governo perderão totalmente as condições.
Acho o primeiro cenário mais provável. Em um quadro de baixíssima popularidade, com mobilização de rua e sem crescimento econômico, haverá sensibilidade para que haja uma ação menos traumática. Mas o TSE também pode acabar empurrando isso até o final de 2017 ou início de 2018.
E o terceiro cenário?
Seria Temer na Presidência e nenhuma reforma. É o cenário do populismo macroeconômico. Vendo sua popularidade ir por água abaixo, ele anunciaria mais medidas como as de incentivo ao crédito e focalizaria sua própria sobrevivência. Não faria reformas para reduzir seu desgaste. É o cenário menos provável.
A delação da Odebrecht mostra que uma empreiteira mandava no país. Como vê isso?
É assustador. Muitos na opinião pública e nós, analistas, focalizávamos muito a influência do dinheiro e do poder econômico das empreiteiras por meio de doações de campanha e questões relacionadas a isso.
As evidências agora vão na direção também da compra de decisões legislativas importantes, e isso ultrapassa todos os limites.
O último Datafolha mostrou Lula à frente no primeiro turno e Marina vencendo no segundo. Há uma série de outros candidatos, e o próprio Lula, alvejados pelas investigações. Algum prognóstico eleitoral?
O que temos assistido é um festival de eventos sem precedentes que tornam qualquer prognóstico muito complicado. Mas, ao fim e ao cabo, com esse tsunami que chegou, haverá uma renovação política considerável. Muita gente vai virar ficha suja no final, e sequer poderá registrar candidaturas. Por outro lado, haverá uma inércia constitucional considerável e acabarão prevalecendo os partidos tradicionais.
As capilaridades partidárias do PMDB e do PSDB não vão desaparecer. Vão surgir novas lideranças entre eles, especialmente se for mantido o mesmo padrão de financiamento partidário, de quase R$ 1 bilhão por ano. Os principais beneficiários disso são o PMDB e o PSDB. Não será um cenário de terra arrasada para esses partidos.
Para Marcus Melo, cientista político da Universidade Federal de Pernambuco e autor de obras sobre presidencialismo de coalização, há dois cenários mais prováveis.
No primeiro, um impopular e enrolado Temer é afastado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2017 e o próprio PMDB, ou um partido de sua base, toma o poder indiretamente.
No segundo, Temer prossegue alvejado pela Lava Jato, que demandará tempo para produzir provas. E também mantém sua base de apoio.
Leia a seguir trechos de entrevista de Melo à Folha:
Folha – O fim de 2016 chega muito ruim para Temer. As expectativas econômicas se frustraram, a delação da Odebrecht pega em cheio o governo e o Datafolha mostra salto de 20 pontos na sua taxa de reprovação (de 31% para 51%). Para onde vamos?
Marcus Melo – A primeira coisa que vem à mente é uma ideia de «Dilmização» de Temer. É uma ideia equivocada. A tempestade perfeita que levou à queda de Dilma estava ancorada em uma crise econômica que não se via havia um século, um escândalo maciço de corrupção, mobilização das ruas e fratura na base de apoio no Congresso.
Esse último componente agora está ausente. Não há sinais de que ele vá entrar em parafuso. Isso dá uma distinção muito clara. Dilma sempre se colocava como uma alternativa a alguma coisa, a um governo do PMDB. Agora não há isso. A estratégia dominante é apoiar o governo.
A eleição direta, que tem o apoio da maioria, segundo o Datafolha, não é alternativa?
Antes de mais nada, creio que um cenário de hecatombe não se aplica ao Brasil. Mesmo sob Dilma, não houve grave crise institucional. Dilma entregou os anéis e os dedos, e não houve ruptura.
O que há são alguns cenários, que eu chamaria de «trilema brasileiro», ou tríade quase impossível. Eu roubo a ideia da teoria macroeconômica, do trilema de Mundell-Fleming [em que Robert Mundell e Marcus Fleming argumentam que é impossível, simultaneamente, manter a taxa de câmbio fixa, o livre fluxo de capitais e uma política monetária ativa].
Ele nos oferece três cursos de ação, tendo apenas pares como alternativas viáveis, mas não os três simultaneamente. No Brasil, temos: as reformas, a permanência de Temer e a Lava Jato. As três coisas simultaneamente não são exatamente viáveis.
A primeira opção é ter reformas e a Lava Jato, mas sem Temer. O que só será possível pela via do Tribunal Superior Eleitoral. Se o TSE cassar a chapa Dilma-Temer, teríamos a possibilidade de ver a substituição do presidente. Mas isso se daria em um quadro em que o conjunto atual de forças, seja do PMDB ou do «centrão», que têm maioria avassaladora caso haja uma eleição indireta, se mantenha no poder.
Já a ideia da aprovação de uma PEC (para eleição direta em 2017) ignora o básico: que são necessários 3/5 em duas votações na Câmara e duas outras no Senado estipulando uma reforma constitucional, além de a solução ter que contar com a anuência do STF. Não existe maioria para aprovar eleições diretas.
Assim como inexiste a segunda opção, que seria o impeachment de Temer. Pois não há maioria de 2/3 na Câmara e no Senado para garantir a admissibilidade e depois o próprio afastamento.
Já a saída de Temer via TSE independe de uma maioria parlamentar. Ninguém sabe qual seria a previsibilidade disso tendo o ministro Gilmar Mendes na presidência do TSE. Mas é o que pode se desenhar caso as evidências que estão aparecendo, e que ainda vão aparecer, sejam muito mais robustas na sequência de delações.
Nesse cenário, teríamos as reformas e a Lava Jato, mas sem a figura de Temer.
Depois das delações, a Lava Jato terá de produzir provas, separar doações legais e ilegais. Não é um processo longo, que pode levar à permanência de Temer por um bom tempo sem grandes problemas?
Aí teríamos algo muito curioso. As reformas serão aprovadas, Temer ficará na Presidência e haverá uma certa contenção da Lava Jato em função do foro privilegiado dos políticos, de armação dos parlamentares.
Isso traria a inusitada figura do reformista acidental. Temer entraria para a história como alguém que aprovou a PEC dos gastos e, provavelmente, a da Previdência. Logo ele e o PMDB, não reformistas por excelência.
Mas Temer tem o problema da popularidade em queda. Faltam ainda 76 delatores. Muitos no governo perderão totalmente as condições.
Acho o primeiro cenário mais provável. Em um quadro de baixíssima popularidade, com mobilização de rua e sem crescimento econômico, haverá sensibilidade para que haja uma ação menos traumática. Mas o TSE também pode acabar empurrando isso até o final de 2017 ou início de 2018.
E o terceiro cenário?
Seria Temer na Presidência e nenhuma reforma. É o cenário do populismo macroeconômico. Vendo sua popularidade ir por água abaixo, ele anunciaria mais medidas como as de incentivo ao crédito e focalizaria sua própria sobrevivência. Não faria reformas para reduzir seu desgaste. É o cenário menos provável.
A delação da Odebrecht mostra que uma empreiteira mandava no país. Como vê isso?
É assustador. Muitos na opinião pública e nós, analistas, focalizávamos muito a influência do dinheiro e do poder econômico das empreiteiras por meio de doações de campanha e questões relacionadas a isso.
As evidências agora vão na direção também da compra de decisões legislativas importantes, e isso ultrapassa todos os limites.
O último Datafolha mostrou Lula à frente no primeiro turno e Marina vencendo no segundo. Há uma série de outros candidatos, e o próprio Lula, alvejados pelas investigações. Algum prognóstico eleitoral?
O que temos assistido é um festival de eventos sem precedentes que tornam qualquer prognóstico muito complicado. Mas, ao fim e ao cabo, com esse tsunami que chegou, haverá uma renovação política considerável. Muita gente vai virar ficha suja no final, e sequer poderá registrar candidaturas. Por outro lado, haverá uma inércia constitucional considerável e acabarão prevalecendo os partidos tradicionais.
As capilaridades partidárias do PMDB e do PSDB não vão desaparecer. Vão surgir novas lideranças entre eles, especialmente se for mantido o mesmo padrão de financiamento partidário, de quase R$ 1 bilhão por ano. Os principais beneficiários disso são o PMDB e o PSDB. Não será um cenário de terra arrasada para esses partidos.