Professor e economista, Rodrigo Soares, 44, em uma das salas de aula da Fundação Getulio Vargas
ÉRICA FRAGA
DE SÃO PAULO
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Há no Brasil uma falsa percepção de que prevalece um grande debate entre heterodoxia e ortodoxia na economia mundial. Mas isso não existe nem na China.
A opinião é do acadêmico Rodrigo Soares, 45, que lidera o ranking de economistas ligados a departamentos brasileiros com maior número de pesquisas citadas por seus pares no mundo.
Segundo ele, a comunidade internacional é predominantemente «mainstream» –palavra usada para designar uma metodologia de pesquisa que envolve provar teorias com uso da matemática.
De esquerda ou de direita, diz, economistas de universidades de ponta de todo o mundo seguem esses passos.
«O uso dessas metodologias não tem nada a ver com nenhum tipo de posicionamento político», afirma.
Para Soares –que menciona a participação em uma comissão da Capes (agência do governo que regula a pós-graduação acadêmica no Brasil) como a experiência mais deprimente de sua vida profissional–, essa falsa ideologização pode ser causada pela falta de meritocracia e pela politização de «absolutamente qualquer coisa» nas universidades públicas brasileiras.
«Isso gera um prejuízo enorme em termos do nível do debate de políticas públicas e da formação de opinião do cidadão médio», diz.
Um dos economistas mais respeitados da sua geração, Soares está de malas prontas para os EUA, onde assumirá em julho vaga de professor titular na Universidade Columbia. Mas manterá vínculo com a FGV-SP, para onde voltará a cada verão americano.
Folha – Como foi sua experiência acadêmica no Brasil após o doutorado?
Rodrigo Soares – Há problemas muito graves na academia no Brasil, mas um pequeno grupo de escolas está conseguindo fazer algo que não existia no país há 10, 20 anos, quando o foco era em consultoria, em vez de pesquisa. A FGV-SP é um exemplo. Ela se construiu em dez anos e hoje, na minha opinião, é o departamento top do país.
Como surgiu a proposta de Columbia?
Columbia recebeu uma dotação do [empresário] Jorge Paulo Lemann, que foi vencida pela Escola de Políticas Públicas (School of International and Public Affairs, Sipa). A contrapartida era contratar alguém, estrangeiro ou brasileiro, que fizesse pesquisa relacionada a políticas públicas no Brasil.
Cogitou recusar a proposta?
Foi um reconhecimento pelo meu trabalho, vindo de um lugar como Columbia, que, de certa forma, acaba potencializando a influência que posso ter na pesquisa internacional e na formulação de políticas públicas no Brasil. Era difícil recusar, ainda mais na circunstância atual do Brasil.
Como a crise afeta a academia?
O grau de incerteza sobre o que pode acontecer no país em um, dois e até cinco anos é muito grande. Os departamentos top de economia do Brasil estão tentando se tornar internacionais, e parte disso significa contratar gente no mercado externo. A gente tinha se tornado competitivo, conseguíamos trazer argentinos, chilenos, portugueses. A crise torna isso mais difícil.
Em que o sr. tem trabalhado?
Mercado de trabalho, saúde e discriminação, racial e de gênero. A questão de gênero é tentar entender o quanto do diferencial de salário entre e homem e mulher no Brasil pode ser explicada por discriminação e o quanto pelas saídas mais frequentes da mulher do mercado de trabalho.
Que surpresas negativas o sr. teve no Brasil depois da volta do doutorado?
Só uns cinco departamentos de ponta e algumas pessoas espalhadas nas públicas entendem o que é a linguagem da economia hoje no mundo, na academia internacional, e tentam fazer pesquisa nesse nível. A massa é totalmente estranha a isso e cria falsa percepção de que há um grande debate na economia mundial entre o que seriam os heterodoxos e o «mainstream». Lá fora só tem o «mainstream». Até na China as universidades são «mainstream», mesmo sendo um país comunista.
Ser «mainstream» não é ser ortodoxo?
Eu não gosto de falar ortodoxo porque as pessoas vão associar com ser mais ou menos liberal. E não tem nada a ver com isso. Há instrumentos e metodologias de pesquisa estabelecidas, alguns princípios básicos: ter teorias consistentes, na maioria das vezes com alguma estrutura matemática. As previsões das teorias precisam ser confrontadas com dados por meio também de metodologias estatísticas rigorosas.
No mercado internacional há esquerdistas contumazes fazendo pesquisa desse jeito e liberais também. Existe uma diversidade teórica gigante.
Mas no Brasil essa ideologização domina todas as associações e agências reguladoras, tirando a Associação de Econometria, que é palavra proibida para esse grupo.
A experiência profissional mais frustrante, deprimente da minha vida foi ver como e por quem estava sendo definida a política de avaliação e a própria definição de qualidade na pós-graduação no Brasil, numa comissão da Capes.
Isso também ocorre em outros países da América Latina?
No Chile, certamente, não. Na Colômbia, predominantemente, também não. Na Argentina um pouco, mas bem menos que no Brasil.
O que explica esse fato, então, aqui?
Acho que tem uma questão que é a ausência histórica de meritocracia e a politização de qualquer coisa nas universidades públicas.
Os concursos públicos não incentivam a meritocracia?
A ideia de que você substitui a meritocracia gerada pela competição por um conjunto de regras –como o tópico do concurso e o perfil do candidato que você quer contratar– já se provou difícil de sustentar em outros contextos.
As universidades todas dos EUA ou do Reino Unido têm liberdade total para decidir como vão contratar uma pessoa. Todo o mundo quer pegar o melhor cara, que vai publicar mais, porque a sobrevivência dos departamentos depende disso. Agora, num sistema em que todos os professores, independentemente da produtividade, ganham o mesmo salário e em que o critério número um de promoção, no fundo, no fundo, continua sendo senioridade, acho difícil ver isso.
Quais as consequências disso?
Temos uma comunidade muito rala. A própria mídia olhando o espectro de economistas e o que estão dizendo acha que, de fato, isso é normal, que existe esse embate metodológico e essas pessoas, que são 80% do total, devem ter alguma capacidade crítica e técnica para discutir política pública em alto nível. Mas não têm. Isso gera um prejuízo enorme em termos do nível do debate de políticas públicas e da formação de opinião do cidadão médio.
–
RAIO-X RODRIGO SOARES, 45
FORMAÇÃO
Graduação em economia pela UFMG, mestrado pela PUC-Rio e doutorado pela Universidade de Chicago
CARREIRA
Lecionou na PUC-Rio, na Universidade de Maryland e em Harvard. Neste mês, se tornará professor titular da cátedra «Lemann Professor of Brazilian Public Policy and International and Public Affairs» na Universidade Columbia, mas manterá vínculo com a Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas
ÉRICA FRAGA
DE SÃO PAULO
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Há no Brasil uma falsa percepção de que prevalece um grande debate entre heterodoxia e ortodoxia na economia mundial. Mas isso não existe nem na China.
A opinião é do acadêmico Rodrigo Soares, 45, que lidera o ranking de economistas ligados a departamentos brasileiros com maior número de pesquisas citadas por seus pares no mundo.
Segundo ele, a comunidade internacional é predominantemente «mainstream» –palavra usada para designar uma metodologia de pesquisa que envolve provar teorias com uso da matemática.
De esquerda ou de direita, diz, economistas de universidades de ponta de todo o mundo seguem esses passos.
«O uso dessas metodologias não tem nada a ver com nenhum tipo de posicionamento político», afirma.
Para Soares –que menciona a participação em uma comissão da Capes (agência do governo que regula a pós-graduação acadêmica no Brasil) como a experiência mais deprimente de sua vida profissional–, essa falsa ideologização pode ser causada pela falta de meritocracia e pela politização de «absolutamente qualquer coisa» nas universidades públicas brasileiras.
«Isso gera um prejuízo enorme em termos do nível do debate de políticas públicas e da formação de opinião do cidadão médio», diz.
Um dos economistas mais respeitados da sua geração, Soares está de malas prontas para os EUA, onde assumirá em julho vaga de professor titular na Universidade Columbia. Mas manterá vínculo com a FGV-SP, para onde voltará a cada verão americano.
Folha – Como foi sua experiência acadêmica no Brasil após o doutorado?
Rodrigo Soares – Há problemas muito graves na academia no Brasil, mas um pequeno grupo de escolas está conseguindo fazer algo que não existia no país há 10, 20 anos, quando o foco era em consultoria, em vez de pesquisa. A FGV-SP é um exemplo. Ela se construiu em dez anos e hoje, na minha opinião, é o departamento top do país.
Como surgiu a proposta de Columbia?
Columbia recebeu uma dotação do [empresário] Jorge Paulo Lemann, que foi vencida pela Escola de Políticas Públicas (School of International and Public Affairs, Sipa). A contrapartida era contratar alguém, estrangeiro ou brasileiro, que fizesse pesquisa relacionada a políticas públicas no Brasil.
Cogitou recusar a proposta?
Foi um reconhecimento pelo meu trabalho, vindo de um lugar como Columbia, que, de certa forma, acaba potencializando a influência que posso ter na pesquisa internacional e na formulação de políticas públicas no Brasil. Era difícil recusar, ainda mais na circunstância atual do Brasil.
Como a crise afeta a academia?
O grau de incerteza sobre o que pode acontecer no país em um, dois e até cinco anos é muito grande. Os departamentos top de economia do Brasil estão tentando se tornar internacionais, e parte disso significa contratar gente no mercado externo. A gente tinha se tornado competitivo, conseguíamos trazer argentinos, chilenos, portugueses. A crise torna isso mais difícil.
Em que o sr. tem trabalhado?
Mercado de trabalho, saúde e discriminação, racial e de gênero. A questão de gênero é tentar entender o quanto do diferencial de salário entre e homem e mulher no Brasil pode ser explicada por discriminação e o quanto pelas saídas mais frequentes da mulher do mercado de trabalho.
Que surpresas negativas o sr. teve no Brasil depois da volta do doutorado?
Só uns cinco departamentos de ponta e algumas pessoas espalhadas nas públicas entendem o que é a linguagem da economia hoje no mundo, na academia internacional, e tentam fazer pesquisa nesse nível. A massa é totalmente estranha a isso e cria falsa percepção de que há um grande debate na economia mundial entre o que seriam os heterodoxos e o «mainstream». Lá fora só tem o «mainstream». Até na China as universidades são «mainstream», mesmo sendo um país comunista.
Ser «mainstream» não é ser ortodoxo?
Eu não gosto de falar ortodoxo porque as pessoas vão associar com ser mais ou menos liberal. E não tem nada a ver com isso. Há instrumentos e metodologias de pesquisa estabelecidas, alguns princípios básicos: ter teorias consistentes, na maioria das vezes com alguma estrutura matemática. As previsões das teorias precisam ser confrontadas com dados por meio também de metodologias estatísticas rigorosas.
No mercado internacional há esquerdistas contumazes fazendo pesquisa desse jeito e liberais também. Existe uma diversidade teórica gigante.
Mas no Brasil essa ideologização domina todas as associações e agências reguladoras, tirando a Associação de Econometria, que é palavra proibida para esse grupo.
A experiência profissional mais frustrante, deprimente da minha vida foi ver como e por quem estava sendo definida a política de avaliação e a própria definição de qualidade na pós-graduação no Brasil, numa comissão da Capes.
Isso também ocorre em outros países da América Latina?
No Chile, certamente, não. Na Colômbia, predominantemente, também não. Na Argentina um pouco, mas bem menos que no Brasil.
O que explica esse fato, então, aqui?
Acho que tem uma questão que é a ausência histórica de meritocracia e a politização de qualquer coisa nas universidades públicas.
Os concursos públicos não incentivam a meritocracia?
A ideia de que você substitui a meritocracia gerada pela competição por um conjunto de regras –como o tópico do concurso e o perfil do candidato que você quer contratar– já se provou difícil de sustentar em outros contextos.
As universidades todas dos EUA ou do Reino Unido têm liberdade total para decidir como vão contratar uma pessoa. Todo o mundo quer pegar o melhor cara, que vai publicar mais, porque a sobrevivência dos departamentos depende disso. Agora, num sistema em que todos os professores, independentemente da produtividade, ganham o mesmo salário e em que o critério número um de promoção, no fundo, no fundo, continua sendo senioridade, acho difícil ver isso.
Quais as consequências disso?
Temos uma comunidade muito rala. A própria mídia olhando o espectro de economistas e o que estão dizendo acha que, de fato, isso é normal, que existe esse embate metodológico e essas pessoas, que são 80% do total, devem ter alguma capacidade crítica e técnica para discutir política pública em alto nível. Mas não têm. Isso gera um prejuízo enorme em termos do nível do debate de políticas públicas e da formação de opinião do cidadão médio.
–
RAIO-X RODRIGO SOARES, 45
FORMAÇÃO
Graduação em economia pela UFMG, mestrado pela PUC-Rio e doutorado pela Universidade de Chicago
CARREIRA
Lecionou na PUC-Rio, na Universidade de Maryland e em Harvard. Neste mês, se tornará professor titular da cátedra «Lemann Professor of Brazilian Public Policy and International and Public Affairs» na Universidade Columbia, mas manterá vínculo com a Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas