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A poucos quilômetros do centro histórico de Cartagena, onde a festa da paz tinha lugar, o ex-presidente Álvaro Uribe, 64, montou seu «bunker» de campanha pelo «não» ao acordo de paz, num hotel cinco estrelas à beira-mar.
Entre fotos com admiradores e uma intensa atividade com os assessores, que preparavam o ato que protagonizaria no começo da noite desta segunda (26), Uribe recebeu a Folha para uma conversa.
Folha – Por que o sr. rejeita o acordo a que chegaram o governo de Juan Manuel Santos e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)?
Álvaro Uribe – Não estamos contra a paz, mas sim contra o texto de Havana, porque significa impunidade total para atos de terrorismo cometidos pelo maior grupo narcotraficante do mundo, que gerou uma violência sem igual na Colômbia.
O país passou, nos últimos tempos, de 47 mil hectares de terras dedicadas ao cultivo da coca a 200 mil [dados oficiais das Nações Unidas dizem que, de 2014 a 2015, na verdade, o aumento foi de 69 mil a 96 mil hectares].
Além disso, nenhum país do mundo permitiria a elegibilidade de criminosos responsáveis pelo recrutamento de menores, por exemplo.
Os mexicanos não dariam impunidade a comandantes do negócio da droga. E as Farc são hoje o principal cartel de cocaína do mundo e o grande provedor de drogas ao México.
Também somos contra porque o acordo traz dificuldades novas à economia, com a criação de novos impostos.
Os críticos do acordo dizem que há uma contradição entre dizer que crimes de lesa humanidade serão punidos e, ao mesmo tempo, que crimes políticos podem ser anistiados. Em sua opinião, esse é o principal problema da Justiça especial?
O principal problema da Justiça especial é a Justiça especial em si. Porque a Colômbia é um país de instituições. E este acordo promove uma substituição da Constituição para criar um tribunal apenas para os crimes dessa guerra.
Além disso, está previsto que esse tribunal julgará militares. Isso é um absurdo, porque os militares da Colômbia que estiveram nessa guerra foram militares de governos democráticos, não de uma ditadura. Por que têm de ser julgados?
Quanto aos crimes anistiáveis que você aponta, de fato são outro problema. O narcotráfico será anistiado, e o narcotráfico gerou vários desses delitos de lesa humanidade para os quais haverá uma brecha no acordo que permitirá que sejam anistiados.
O governo diz que não há anistia, mas o artigo 60 diz que, se as Farc reconhecerem os delitos, não irão à prisão.
É certo que a Justiça internacional permite que haja uma alternativa ao sistema carcerário, mas não que seja eliminado. E o acordo prevê uma eliminação.
O que o sr. proporia, em vez de prisões tradicionais, então?
Creio que podiam ir para colônias penais agrícolas, onde de fato exista uma restrição de liberdade. Como está no acordo, o que existe é uma sanção simbólica que será anulada pelo fato de que os ex-guerrilheiros vão poder ter uma vida política ainda que não tenham terminado de pagar suas penas.
O artigo 36 diz isso claramente. Então, se você dá plena eligibilidade política a responsáveis de delitos atrozes, já está anistiando, de fato, esses delitos atrozes.
Há alguns dias, em entrevista à Folha, o negociador do governo Frank Pearl disse que optaram por penas de reparação e não penas de prisão porque o sistema carcerário da Colômbia não favorece a recuperação dos criminosos. O sr. discorda?
Mas então por que não fizemos isso com os paramilitares, quando foram desmobilizados [meados dos anos 2000] e levados à prisão, alguns até extraditados?
Segundo essa teoria, teríamos de liberar também os outros 140 mil presos que há na Colômbia. E por que esses 140 mil presos não podem se candidatar a cargos públicos como os ex-guerrilheiros poderão? Vamos permitir que os maiores responsáveis de crimes de lesa humanidade do país ocupem cadeiras no Congresso e não daremos o mesmo benefício a presos comuns?
O problema não é que as prisões não sejam capazes de recuperar os presos, mas sim o mau exemplo que se está dando a todos os colombianos. Um mau exemplo que já está produzindo efeitos. As pessoas acham que não serão punidas mais.
E qual a crítica que o sr. faz às chamadas «zonas de segurança», para onde os ex-guerrilheiros serão levados num primeiro momento?
É gravíssimo que essas zonas de segurança sejam zonas próximas a regiões de produção de coca, onde os ex-guerrilheiros estarão em contato com os dissidentes das Farc, os da ELN, as Bacrim (bandos criminosos).
Por que o sr. diz que essas zonas criarão uma polícia paralela?
Porque o acordo está criando organismos para proteger os desmobilizados das Farc contra seus inimigos. Até aí estou de acordo. Só que a proposta é que esses organismos sejam formados com a ajuda de desmobilizados das próprias Farc. Ou seja, uma polícia paralela. E esse organismo poderá supervisionar gastos do Estado nas regiões, poderão vigiar as entradas e saídas das zonas de segurança. Logo, esses organismos vão se misturar com as ex-Farc e criar um novo bando.
É muito grave unir bandidos com o Estado. Isso aconteceu no começo dos anos 90 [quando o governo permitiu a associação do Exército a cartéis da droga para perseguir Pablo Escobar] e teve consequências muito negativas.
O governo não pode se misturar a carteis.
O sr. questionou também o patamar dos 13%?
Claro, porque esse plebiscito é inconstitucional. Santos baixou o patamar de 50%, que é o que diz a lei, para 13%. E há outras enganações, pede-se que os colombianos votem «sim» ou «não» a um acordo de 297 páginas que poucos lerão na íntegra. Não se pode responder «sim» ou «não» a um documento tão cheio de detalhes.
Além disso, não houve espaço para fazer a publicidade do «não», não nos permitiram recursos do Estado, enquanto o Estado usou todo seu aparato. E Santos vem se negando ao debate e pressionando governadores e prefeitos a apoiarem o «sim» se quiserem continuar recebendo repasses de recursos.
Ao entrevistar pessoas que vivem em bairros muito humildes, uma reclamação recorrente é o fato de que a guerrilha receberá salários (90% do salário mínimo por dois anos). Mais isso até do que a violência. Como estimulhar um guerrilheiro a deixar as armas sem ajuda-lo financeiramente?
Eu paguei a muitos desmobilizados do meu governo, não acho errado pagar, mas é errado pagar aos cabeças, aos líderes do movimento, e dar dinheiro para que formem seus partidos, que é o que este acordo propõe.
E o que o sr. acha da festa que o governo armou hoje para a cerimônia da assinatura?
Esse ato de hoje é vergonhoso, e pago com o imposto dos colombianos.
O «não» vem crescendo nas pesquisas, mas o «sim» parece ter ainda uma vantagem clara, quais serão seus planos se vencer o «sim»?
Se ganhar o «não», nós propomos que se protejam os guerrilheiros até que possamos rever e corrigir o acordo. Se ganhar o «sim», o problema é maior, porque será como se tivéssemos uma nova Constituição. Mas nós, ganhando o «sim» ou o «não», continuaremos com nossa luta.
A poucos quilômetros do centro histórico de Cartagena, onde a festa da paz tinha lugar, o ex-presidente Álvaro Uribe, 64, montou seu «bunker» de campanha pelo «não» ao acordo de paz, num hotel cinco estrelas à beira-mar.
Entre fotos com admiradores e uma intensa atividade com os assessores, que preparavam o ato que protagonizaria no começo da noite desta segunda (26), Uribe recebeu a Folha para uma conversa.
Folha – Por que o sr. rejeita o acordo a que chegaram o governo de Juan Manuel Santos e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)?
Álvaro Uribe – Não estamos contra a paz, mas sim contra o texto de Havana, porque significa impunidade total para atos de terrorismo cometidos pelo maior grupo narcotraficante do mundo, que gerou uma violência sem igual na Colômbia.
O país passou, nos últimos tempos, de 47 mil hectares de terras dedicadas ao cultivo da coca a 200 mil [dados oficiais das Nações Unidas dizem que, de 2014 a 2015, na verdade, o aumento foi de 69 mil a 96 mil hectares].
Além disso, nenhum país do mundo permitiria a elegibilidade de criminosos responsáveis pelo recrutamento de menores, por exemplo.
Os mexicanos não dariam impunidade a comandantes do negócio da droga. E as Farc são hoje o principal cartel de cocaína do mundo e o grande provedor de drogas ao México.
Também somos contra porque o acordo traz dificuldades novas à economia, com a criação de novos impostos.
Os críticos do acordo dizem que há uma contradição entre dizer que crimes de lesa humanidade serão punidos e, ao mesmo tempo, que crimes políticos podem ser anistiados. Em sua opinião, esse é o principal problema da Justiça especial?
O principal problema da Justiça especial é a Justiça especial em si. Porque a Colômbia é um país de instituições. E este acordo promove uma substituição da Constituição para criar um tribunal apenas para os crimes dessa guerra.
Além disso, está previsto que esse tribunal julgará militares. Isso é um absurdo, porque os militares da Colômbia que estiveram nessa guerra foram militares de governos democráticos, não de uma ditadura. Por que têm de ser julgados?
Quanto aos crimes anistiáveis que você aponta, de fato são outro problema. O narcotráfico será anistiado, e o narcotráfico gerou vários desses delitos de lesa humanidade para os quais haverá uma brecha no acordo que permitirá que sejam anistiados.
O governo diz que não há anistia, mas o artigo 60 diz que, se as Farc reconhecerem os delitos, não irão à prisão.
É certo que a Justiça internacional permite que haja uma alternativa ao sistema carcerário, mas não que seja eliminado. E o acordo prevê uma eliminação.
O que o sr. proporia, em vez de prisões tradicionais, então?
Creio que podiam ir para colônias penais agrícolas, onde de fato exista uma restrição de liberdade. Como está no acordo, o que existe é uma sanção simbólica que será anulada pelo fato de que os ex-guerrilheiros vão poder ter uma vida política ainda que não tenham terminado de pagar suas penas.
O artigo 36 diz isso claramente. Então, se você dá plena eligibilidade política a responsáveis de delitos atrozes, já está anistiando, de fato, esses delitos atrozes.
Há alguns dias, em entrevista à Folha, o negociador do governo Frank Pearl disse que optaram por penas de reparação e não penas de prisão porque o sistema carcerário da Colômbia não favorece a recuperação dos criminosos. O sr. discorda?
Mas então por que não fizemos isso com os paramilitares, quando foram desmobilizados [meados dos anos 2000] e levados à prisão, alguns até extraditados?
Segundo essa teoria, teríamos de liberar também os outros 140 mil presos que há na Colômbia. E por que esses 140 mil presos não podem se candidatar a cargos públicos como os ex-guerrilheiros poderão? Vamos permitir que os maiores responsáveis de crimes de lesa humanidade do país ocupem cadeiras no Congresso e não daremos o mesmo benefício a presos comuns?
O problema não é que as prisões não sejam capazes de recuperar os presos, mas sim o mau exemplo que se está dando a todos os colombianos. Um mau exemplo que já está produzindo efeitos. As pessoas acham que não serão punidas mais.
E qual a crítica que o sr. faz às chamadas «zonas de segurança», para onde os ex-guerrilheiros serão levados num primeiro momento?
É gravíssimo que essas zonas de segurança sejam zonas próximas a regiões de produção de coca, onde os ex-guerrilheiros estarão em contato com os dissidentes das Farc, os da ELN, as Bacrim (bandos criminosos).
Por que o sr. diz que essas zonas criarão uma polícia paralela?
Porque o acordo está criando organismos para proteger os desmobilizados das Farc contra seus inimigos. Até aí estou de acordo. Só que a proposta é que esses organismos sejam formados com a ajuda de desmobilizados das próprias Farc. Ou seja, uma polícia paralela. E esse organismo poderá supervisionar gastos do Estado nas regiões, poderão vigiar as entradas e saídas das zonas de segurança. Logo, esses organismos vão se misturar com as ex-Farc e criar um novo bando.
É muito grave unir bandidos com o Estado. Isso aconteceu no começo dos anos 90 [quando o governo permitiu a associação do Exército a cartéis da droga para perseguir Pablo Escobar] e teve consequências muito negativas.
O governo não pode se misturar a carteis.
O sr. questionou também o patamar dos 13%?
Claro, porque esse plebiscito é inconstitucional. Santos baixou o patamar de 50%, que é o que diz a lei, para 13%. E há outras enganações, pede-se que os colombianos votem «sim» ou «não» a um acordo de 297 páginas que poucos lerão na íntegra. Não se pode responder «sim» ou «não» a um documento tão cheio de detalhes.
Além disso, não houve espaço para fazer a publicidade do «não», não nos permitiram recursos do Estado, enquanto o Estado usou todo seu aparato. E Santos vem se negando ao debate e pressionando governadores e prefeitos a apoiarem o «sim» se quiserem continuar recebendo repasses de recursos.
Ao entrevistar pessoas que vivem em bairros muito humildes, uma reclamação recorrente é o fato de que a guerrilha receberá salários (90% do salário mínimo por dois anos). Mais isso até do que a violência. Como estimulhar um guerrilheiro a deixar as armas sem ajuda-lo financeiramente?
Eu paguei a muitos desmobilizados do meu governo, não acho errado pagar, mas é errado pagar aos cabeças, aos líderes do movimento, e dar dinheiro para que formem seus partidos, que é o que este acordo propõe.
E o que o sr. acha da festa que o governo armou hoje para a cerimônia da assinatura?
Esse ato de hoje é vergonhoso, e pago com o imposto dos colombianos.
O «não» vem crescendo nas pesquisas, mas o «sim» parece ter ainda uma vantagem clara, quais serão seus planos se vencer o «sim»?
Se ganhar o «não», nós propomos que se protejam os guerrilheiros até que possamos rever e corrigir o acordo. Se ganhar o «sim», o problema é maior, porque será como se tivéssemos uma nova Constituição. Mas nós, ganhando o «sim» ou o «não», continuaremos com nossa luta.