Para Lula, “não tem um representante da elite brasileira que não tenha recebido favor do Estado”

SÃO PAULO – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta sexta-feira que a elite do país tem um “medo inexplicável” de que ele volte à Presidência e a acusou de ser “masoquista”, uma vez que, segundo ele, nunca esse setor “ganhou tanto dinheiro” como em seu governo (2003-2010). Em discurso no ato do Primeiro de Maio da CUT, em São Paulo, o ex-presidente criticou as revistas semanais que têm publicado denúncias de seu suposto tráfico de influência para negociação de empresas brasileiras no exterior. Lula também defendeu o governo de sua sucessora e afirmou que está pronto para a “briga” na defesa de Dilma Rousseff.
— Sou um homem que eu sei de onde vim, sei onde estou e sei para onde eu vou. O que me assusta profundamente é o medo que a elite brasileira tem que eu volte à Presidência da República. É um medo inexplicável porque nunca eles ganharam tanto dinheiro na vida como no meu governo, nem empresários, nem banqueiros e os trabalhadores também — disse o ex-presidente, em tom de indignação.
— Eles deveriam agradecer a Deus, todo dia acender uma vela, pela a minha passagem e da Dilma pelo governo, mas não eles são masoquistas. Gostam de sofrer — prosseguiu.
Lula considerou “insinuações” as denúncias feitas contra ele.
— Todo dia eu vejo insinuações. Lá na Operação Lava-Jato tão esperando que alguém cite o nome do Lula. Ah, porque o objetivo é pegar Lula — disse o ex- presidente, que também sugeriu, em tom irônico, que se ofereça dinheiro para empresários que citarem o seu nome em denúncias.
Na edição desta sexta, a revista “Época” traz uma reportagem afirmando que o Ministério Público Federal abriu um procedimento de investigação para saber se houve tráfico de influência de Lula na relação entre a construtora Odebrecht e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para contratos obtidos pela empresa em outros países. Na semana passada, a “Veja” publicou que a construtora OAS teria feito uma reforma em uma chácara de sócios do filho de Lula, Fabio Luiz da Silva, o Lulinha, a pedido do ex-presidente. Lula elevou o tom e atacou as publicações.
— Aí vem essas revistas brasileiras que são um lixo. Não valem nada. Peguem todos os jornalistas da Veja e da Época e enfiem um dentro do outro que não dá 10% da minha honestidade — disse o ex-presidente.
Para Lula, “não tem um representante da elite brasileira que não tenha recebido favor do Estado”.
— Conheci muitos meios de comunicação falidos e ajudei porque acho que tem que ajudar.
O ex-presidente provocou a oposição e disse estar pronto para a disputa política em favor da presidente Dilma.
— Cada um que olhe para o seu rabo. Se alguém acha que cheguei até onde cheguei, que fez o que eu fiz neste país, que vou baixar o rabo e minha crista por conta de insinuação. Eu estou quietinho no meu lugar. Não me chame para briga porque eu sou bom de briga.
Lula anunciou, no discurso, que vai voltar a percorrer o país.
— Não tenho intenção de ser candidato a nada, mas eu tenho vontade de brigar. Está aceita a provocação. Aos meu detratores, vou começar a percorrer o país outra vez. Vou conversar com o povo brasileiro. Vou desafiar aqueles que não se conformam com o resultado da democracia. Aqueles que desde a vitória da Dilma estão pregando a queda dela.
Aos trabalhadores reunidos pela CUT no Anhangabaú, Lula pediu “paciência” com Dilma, lembrando que a presidente está no início do segundo mandato.
— Queria pedir a vocês que muitas vezes ficam nervosos com a Dilma, que ficam irritados, que a gente tem que ter paciência como a mãe da gente. Porque ela foi eleita para governar quatro anos. Temos que ver o resultado final. Na hora que ela está com dificuldade, em vez de só criticar, é melhor a gente dar mão e dizer: companheira, você é nossa. Vamos fazer a crítica que tiver que fazer, mas o povo tem que saber, sobretudo os adversários, que mexeu com a Dilma, mexeu com muita gente neste país e mexeu com a classe trabalhadora.
Apontando dados negativos de uma pesquisa do Dieese sobre terceirização, Lula atacou o projeto de lei que modifica a atividade no país e fez uma crítica velada ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por ter trazido o tema para a pauta do Congresso. Cunha já havia sido duramente criticado pelos sindicalistas que discursaram antes de Lula no ato do Primeiro de Maio.
— O projeto de terceirização foi apresentado há onze anos por um deputado empresário (Sandro Mabel). Nunca se falava dele e, de repente, ele ganhou uma prioridade na cabeça de alguns deputados. E foi aprovado em tempo recorde—ironizou Lula.
Lula apresentou os dados da pesquisa feita pelo Dieese a pedido da CUT, segundo a qual foi constatado que os trabalhadores terceirizados trabalham três horas semanais a mais que os de contratação direta, o que reduziria o mercado em 800 mil empregos. A remuneração seria 24,7% menor que a de contratações diretas e a rotatividade no emprego seria o dobro, atingindo 44,9%.
—De cada dez acidentes de trabalho no Brasil, oito acontecem com terceirizados. Em 2013, houve 79 mortes no setor elétrico, 61 eram terceirizados—disse o petista.
Lula ainda alfinetou a festa de 1º de maio realizada pela Força Sindical. Tanto o ex-presidente quanto a presidente Dilma Rousseff participaram em 2010 do evento promovido por aquela central sindical, num ato a favor da candidatura de Dilma ao Planalto.
— Eu já tinha jurado que nunca mais eu participaria de um ato de 1º de maio que misturasse distribuição de geladeira, distribuição de carro, ou festa, com ato político. Na hora de fazer festa, a gente faz festa, e o trabalhador precisa. Na hora de fazer sorteio, a gente faz sorteio. Mas na hora que a gente quer discutir política, a gente não diz ao trabalhador que vai trazê-lo aqui para distribuir geladeira. Não é a quantidade de pessoas que mostra a grandeza do 1º de maio. É a qualidade do conteúdo, das discussões que vocês estão trazendo.
O ex-presidente ainda se manifestou contrário à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos e disse que nem os militares defenderam o projeto.
— Eu sei que esse é um tema muito grave. Sobretudo, na periferia brasileira, ele é muito caro pelos conservadores. O problema não é ser de esquerda ou de direita, porque os militares nunca ousaram defender (a redução) da maioridade penal. Agora, uma parte da elite conservadora brasileira acha que vai resolver o problema do país mandando para a cadeia moleque de 15, 16, 17 anos. É bom possível que muitos jovens cometam crimes. Agora, é importante que a gente diga qual é o crime que o Estado brasileiro cometeu ao longo de 500 anos não dando a esses jovens a oportunidade de não estar no crime? Há quantos anos esse Estado não deu direito a esses jovens estudarem.
Lula ainda criticou a elite brasileira e o atraso na construção da primeira universidade no Brasil, na comparação com outros países da América Latina:
— Vou dar um dado para vocês que é uma vergonha para a elite brasileira, para aqueles que se acham mais inteligentes que nós. A República Dominicana foi descoberta em 1492, Colombo chegou em Santo Domingo. Quinze anos depois, Santo Domingo já tinha universidade. O Peru teve a primeira universidade em 1554. A Bolívia teve a primeira universidade em 1640. A universidade brasileira, só foi feita a primeira em 1920, 400 anos depois da descoberta. Como a gente quer punir a juventude que não teve a oportunidade de estudar, de fazer uma escola técnica? – questionou.
—Antes da gente saber porque um jovem cometeu um crime, vamos saber o que aconteceu com a família dele, com o pai e com a mãe, com o avô e a avó, com o bisavô e a bisavó, o que aconteceu com este país — complementou o ex-presidente.

Acerca de Napule

es Antonio Cicioni, politólogo y agnotólogo, hincha de Platense y adicto en recuperación a la pizza porteña.

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